30 de outubro de 2009

Cape Town

Quando começava a (ar)riscar algumas impressões sobre Cape Town, as idéias me pareciam imaturas, ainda faltava muita intimidade com o lugar. Na primeira semana certamente falaria do vento frio que batia e do medo entre as pessoas. As poucas que conheci me alertavam essencialmente sobre o perigo da cidade. “Você pode ser um alvo”. Ouvi essa frase umas tantas vezes. Os apartamentos vizinhos ao meu têm portas de ferro antes das habituais portas de madeira. Nos primeiros dias, tive a impressão às 5h30 da tarde que ia sobrar sozinha no meio da rua. Apesar do sol ainda estar forte, em cerca de 10 minutos, todas as pessoas se dissolvem pelas ruas e embarcam nas peruas para casa.

A intimidade para escrever veio num domingo ensolarado. Acordei cedo e fui para a estação pegar um táxi (as nossas peruas) para Guguletu – uma das comunidades na periferia de Cape Town. Dentro do táxi, fui conversando com um menino de 16 anos, contava a ele o que estava fazendo, quando me perguntou quantos anos eu tinha. “Recentes 29 anos”. Ele reagiu como meu avô um pouco antes de eu viajar “você já não tem mais idade para isso, está na hora de sossegar”. Cai na gargalhada. Desci do táxi e fui encontrar o coletivo artístico Gugulective. Foram 10 pessoas participando do círculo: Babsi, Chuma, Andile, Alexis, Skura, Mzwanele, Lisa, Isaac e Madoda. Passamos o domingo conversando e compartilhando histórias. Guguletu, diferentemente do centro de Cape Town, é cheio aos domingos, muita gente na rua conversando em frente do açougue que vende espetinhos.

Dormi no caminho de volta. Acordei já na estação. Quando abri os olhos realmente vi Cape Town. A cidade estava nua: uma ventania insistia e já havia limpado das ruas os turistas, sem os passantes, percebi a grande cidade cenográfica.

No sábado seguinte estava de volta ao Guguletu: colocamos uma caixa de som com as histórias rolando dentro de um “fusca-instalação”. As pessoas entravam, escutavam as histórias, deixavam mensagens e do lado de fora ainda viam uma exposição de fotos. Sutil e bonito.

5 de outubro de 2009

Djumbai de Histórias

Eu tinha certeza que voltaria para Guiné Bissau. Da última vez que estive no país, saí com a impressão de que ainda havia muito por conhecer. Dessa vez fiquei parte dos dias em Bolama, em um encontro de jovens, e outra parte em Bissau, na casa da Isabel, uma amiga que conheci na última visita.

Bolama foi capital do país até 1941 e faz parte do arquipélago de Bijagós. No cenário edifícios ingleses e portugueses do século XV: alfândega, palácio, hotel turístico, hospital, imprensa, escola de formação de professores - ocupados pelo mato. Os jovens vieram em busca dessa estrutura para se alojar e pensar sobre o país. Na verdade, reunir-se em Bolama é mais do que dar utilidade a uma série de construções, é dar sentido a uma ilha histórica, hoje vazia e incluir a pequena comunidade que é anfitriã do encontro nessa conversa. As oficinas acontecem junto da comunidade: sentados com as mulheres que vendem água e bolo, discutimos a importância e o conceito de associativismo. Enquanto os pescadores remendavam suas redes, conversamos sobre comportamento de grupo. E, por fim, os jovens todos se reuniram para uma conversa com o ancião de Bolama, ouvir seus conselhos para essa juventude que parece perceber o tamanho de sua responsabilidade. Não é a toa que o encontro anual foi de “Campo de Férias” para “Universidade Guineense de Juventude e Desenvolvimento”.

Foi nesse clima de responsabilidade que realizamos o círculo de histórias, ou Djumbai de Histórias, todos tinham muita certeza da necessidade de fazer suas histórias serem ouvidas pelos jovens do país irmão. Etiandro foi o primeiro, passou sua infância com a avó que não queria que ele freqüentasse a escola, insistiu e entrou na primeira série com 15 anos de idade. Carlos conta sobre os anos de guerra, a mudança para o interior, as dificuldades para comer e a perda dos pais. Filomena foi a terceira filha de uma família de mestiços, mas para sua cor a diferencia dos irmãos. Jucelino conta as dificuldades que viveu quando da separação de seus pais. Manuário contou sobre a morte de seu pai, piloto de avião, durante a guerra. Aissatu, finalmente, toma coragem: conta como sua experiência de abuso sexual levou-a a fundar uma associação de apoio a meninas.

Voltei de Bolama para Bissau, animada com as histórias e com a experiência. Fiquei na casa da Isabel e passávamos o dia todo na casa da sua avó Regina de 98 anos. Dias de histórias, acompanhadas de feijoada, cachupa, ostra e camarão.