30 de outubro de 2009

Cape Town

Quando começava a (ar)riscar algumas impressões sobre Cape Town, as idéias me pareciam imaturas, ainda faltava muita intimidade com o lugar. Na primeira semana certamente falaria do vento frio que batia e do medo entre as pessoas. As poucas que conheci me alertavam essencialmente sobre o perigo da cidade. “Você pode ser um alvo”. Ouvi essa frase umas tantas vezes. Os apartamentos vizinhos ao meu têm portas de ferro antes das habituais portas de madeira. Nos primeiros dias, tive a impressão às 5h30 da tarde que ia sobrar sozinha no meio da rua. Apesar do sol ainda estar forte, em cerca de 10 minutos, todas as pessoas se dissolvem pelas ruas e embarcam nas peruas para casa.

A intimidade para escrever veio num domingo ensolarado. Acordei cedo e fui para a estação pegar um táxi (as nossas peruas) para Guguletu – uma das comunidades na periferia de Cape Town. Dentro do táxi, fui conversando com um menino de 16 anos, contava a ele o que estava fazendo, quando me perguntou quantos anos eu tinha. “Recentes 29 anos”. Ele reagiu como meu avô um pouco antes de eu viajar “você já não tem mais idade para isso, está na hora de sossegar”. Cai na gargalhada. Desci do táxi e fui encontrar o coletivo artístico Gugulective. Foram 10 pessoas participando do círculo: Babsi, Chuma, Andile, Alexis, Skura, Mzwanele, Lisa, Isaac e Madoda. Passamos o domingo conversando e compartilhando histórias. Guguletu, diferentemente do centro de Cape Town, é cheio aos domingos, muita gente na rua conversando em frente do açougue que vende espetinhos.

Dormi no caminho de volta. Acordei já na estação. Quando abri os olhos realmente vi Cape Town. A cidade estava nua: uma ventania insistia e já havia limpado das ruas os turistas, sem os passantes, percebi a grande cidade cenográfica.

No sábado seguinte estava de volta ao Guguletu: colocamos uma caixa de som com as histórias rolando dentro de um “fusca-instalação”. As pessoas entravam, escutavam as histórias, deixavam mensagens e do lado de fora ainda viam uma exposição de fotos. Sutil e bonito.

5 de outubro de 2009

Djumbai de Histórias

Eu tinha certeza que voltaria para Guiné Bissau. Da última vez que estive no país, saí com a impressão de que ainda havia muito por conhecer. Dessa vez fiquei parte dos dias em Bolama, em um encontro de jovens, e outra parte em Bissau, na casa da Isabel, uma amiga que conheci na última visita.

Bolama foi capital do país até 1941 e faz parte do arquipélago de Bijagós. No cenário edifícios ingleses e portugueses do século XV: alfândega, palácio, hotel turístico, hospital, imprensa, escola de formação de professores - ocupados pelo mato. Os jovens vieram em busca dessa estrutura para se alojar e pensar sobre o país. Na verdade, reunir-se em Bolama é mais do que dar utilidade a uma série de construções, é dar sentido a uma ilha histórica, hoje vazia e incluir a pequena comunidade que é anfitriã do encontro nessa conversa. As oficinas acontecem junto da comunidade: sentados com as mulheres que vendem água e bolo, discutimos a importância e o conceito de associativismo. Enquanto os pescadores remendavam suas redes, conversamos sobre comportamento de grupo. E, por fim, os jovens todos se reuniram para uma conversa com o ancião de Bolama, ouvir seus conselhos para essa juventude que parece perceber o tamanho de sua responsabilidade. Não é a toa que o encontro anual foi de “Campo de Férias” para “Universidade Guineense de Juventude e Desenvolvimento”.

Foi nesse clima de responsabilidade que realizamos o círculo de histórias, ou Djumbai de Histórias, todos tinham muita certeza da necessidade de fazer suas histórias serem ouvidas pelos jovens do país irmão. Etiandro foi o primeiro, passou sua infância com a avó que não queria que ele freqüentasse a escola, insistiu e entrou na primeira série com 15 anos de idade. Carlos conta sobre os anos de guerra, a mudança para o interior, as dificuldades para comer e a perda dos pais. Filomena foi a terceira filha de uma família de mestiços, mas para sua cor a diferencia dos irmãos. Jucelino conta as dificuldades que viveu quando da separação de seus pais. Manuário contou sobre a morte de seu pai, piloto de avião, durante a guerra. Aissatu, finalmente, toma coragem: conta como sua experiência de abuso sexual levou-a a fundar uma associação de apoio a meninas.

Voltei de Bolama para Bissau, animada com as histórias e com a experiência. Fiquei na casa da Isabel e passávamos o dia todo na casa da sua avó Regina de 98 anos. Dias de histórias, acompanhadas de feijoada, cachupa, ostra e camarão.

11 de setembro de 2009

Dakar

Quando pousei em Dakar eu ria sozinha. Sabe aquele sorrizinho que a gente sente do lado de dentro, na boca do estômago? Respirava a maresia, reconhecia os bares e restaurantes, me sentia à vontade para circular na cidade grande depois de ter passado pelo Mali e Guiné Bissau.

Dakar significava conhecer muita gente interessante e, ao mesmo tempo, poder ficar sozinha (e eu já estava com saudade de ficar um pouco comigo mesma). Foram sete semanas intensas de trabalho: estive na Île de Gorée com as mulheres do Musée de la Femme, fiz oficina em parceria com a embaixada do Brasil na Maison Douta Seck – um centro cultural da prefeitura – que estava com uma programação para jovens durante as férias, passei dois dias com fellows da Ashoka e, para fechar, fiz um círculo de histórias no Centre de Bien Etre Imallah que dá cursos de yoga e massagem.

Muito trabalho, mas também shows quase todas as noites, caminhada na praia no final do dia e o passeio nos mercados. Há vários mercados na rua, os tecidos e o artesanato chamam atenção entre toda a variedade de produtos. Mas ir às compras é um exercício de retórica, cada olhar e cada palavra tem de ser muito bem pensados. Meu olhar desatentou e pronto: fui acompanhada por 3 quarteirões por um vendedor até convencê-lo de que a última coisa que eu compraria nesse momento seria um ferro de passar roupa. É melhor evitar também o “amanhã eu volto” ou “hoje estou sem dinheiro”, os senegaleses não desistem “amanhã que horas? Vou deixar reservado!” ou ainda o “deixa eu ver se você está sem dinheiro mesmo, me mostra a sua carteira”.

Apesar de não ter o clima de interior, Dakar mantém o costume das longas saudações como os malienses, mas com uma pitada de sonhos e preconceitos da cidade. Sendo branca, mulher e brasileira, aqui sou vitrine de mais significados do que realmente gostaria. As conversas correm menos curiosas e mais preconceituosas à princípio e eu tento esvaziar a vitrine para me preencher de outros significados. Abaixo algumas histórias que contam um pouco sobre o Senegal:

Sanoussi Diakite

Nabou Thiam

Adam Christiam

Bowel Mariame

Becaye Sy

Asi


Adja

Therèse

Salimata Deidhiou

7 de setembro de 2009

Sine Saloum


Taxi. 7 places. Mototáxi. Piroga. Charrete. 10 horas de viagem.

Cheguei finalmente na região do delta Sine Saloum, próxima à Gambia. Fiquei hospedada no acampamento Keur Bamboung, que existe desde 2004 e foi responsável pela criação da área de preservação em Bamboung. Quando começaram a assistir a volta dos peixes, ostras, aves e outros animais, criaram o acampamento.

Fazia tempo que estava à procura de um lugar preservado no Senegal, viajei bastante: Ngor, Saint Louis, Yoff, Ngaparu, Mbur, em todos os lugares havia muito plástico na paisagem. O Sine Saloum foi minha última tentativa, depois de ser obrigada a abortar uma viagem a Casamance onde recomeçaram as rebeliões do Movimento Separatista.

Durante viagem acompanhei o ramadan de quem estava comigo no carro, cheguei em Bamboung quando o sol se punha e quebrei o jejum com a equipe do acampamento. Um delícia! Cansaço da viagem, vento de chuva, conversa e café com pão. A hospedagem é simples: casa de palha e barro, comida caseira, energia solar e água de poço.

No dia seguinte, saída de caiaque na maré alta e caminhada pela maré baixa. No caminho, montes de conchas, resquícios do tempo em que a pesca, caça e extração de ostras e mariscos eram desregulamentadas. Esse ano pela primeira vez, irão permitir a pesca e a extração de ostras e mariscos, mas segundo Biram, que me acompanha no passeio, “eles ainda precisam pensar em como vão garantir que só levem os grandes”.

A volta é mais difícil. O plástico ganha proporção. Charrete. Piroga. Mototáxi. Carrapiche. plástico. 7 places. plástico. Táxi. plástico.

25 de agosto de 2009

Musée de la Femme

Annette D'Erneveille foi uma das primeiras pessoas que conheci em Dakar, assim que cheguei na cidade, almocei com toda a sua família. Almoço de domingo como os nossos, falamos de tudo e de nada: o Fesman que não vai mais acontecer esse ano, uma nova loja de roupas, as obras questionáveis do presidente e um costureiro ótimo que alguém descobriu. Eu tentava acompanhar o papo, metade em francês e metade em Wolof. Annette se destacava, com muito bom humor centralizava as conversas com comentários fortes e divertidos sobre cada assunto.

Contei a que vinha e ela me convidou para conhecer o Musée de la Femme, instituição fundada por ela há cerca de 15 anos na Ilha de Gorée, conhecida por ter sido porto de saída de escravos e escravas. O Museu, que fica em frente ao Maison des Esclaves, expõe as produções artesanais, culturais e econômicas da mulher senegalesa e mantém um atelier de costura. Apesar de ter apenas algumas salas e de ser bem menos visitado do que deveria, o Museu tem um valor inestimável por mostrar e valorizar o cotidiano da mulher senegalesa, que não é nada óbvio. Passei 4 dias na ilha, conversando com as mulheres que trabalham no Museu, ouvindo suas histórias, enquanto costuravam.

Maria Diatta

Adja Fatou Mbengue - La mort de mon père


Adja Ndeije Couma Tiue - Une Etape Embarrassante de ma vie


7 de agosto de 2009

Ilha de Canhambaque

O embarque e o desembarque ilustram a diferença entre a receptividade em Bissau e na ilha. No embarque, a piroga parte do porto de Bissau ao amanhecer, apesar da luz pedir fotos, foi só mostrar o aparelho que pessoal no porto ficou irritado e começou a gritar. Quatro horas na piroga e mais duas caminhando, desembarcamos na tabanca de An-humba, na ilha de Canhambaque. Lá havia dezenas de crianças para nos receber e elas pediam muitas, muitas fotos.

Ficamos acampados na área externa da casa de um padre italiano e usávamos a cozinha e o banheiro da casa. Os dias em An-humba foram intensos, enquanto nos acostumávamos à rotina da vida na ilha, dávamos conta das oficinas com as crianças na escola. A utilização da água exigia uma logística: tomar banho, com a mesma água dar o primeiro enxágüe na roupa suja, após o banho levar alguns baldes para cozinhar e lavar louça e, por fim, usar toda essa água suja para jogar na privada do padre.

Cada passo era fielmente assistido por um público assíduo - não perdiam um capítulo e tiravam fotos nossas tomando banho de baldinho (deviam achar ridículo!!).

À noite, as pessoas da tabanca sentavam do lado de fora das casas, ficávamos conversando e tomando vinho de caju. Foi numa dessas noites que apareceu uma iguaria inusitada para jantar: o joaquim doido - um rato que rouba tudo que encontra pela frente, mas acaba devolvendo por um pouco de aguardente. Não tive estômago para comer, dava para ver os dentinhos e as garrinhas do bichinho...

Numa dessas noites, papeando com os homens mais velhos da tabanca, fomos presenteados com uma festa. Oferecemos 20 kilos de arroz, uma cabra e litros de vinho de caju; eles trouxeram a música e a dança. Depois de passar a tarde na praia comendo ostras diretamente da pedra, voltamos para a tabanca e a festa estava pronta. Os homens apresentaram o cabaró, tipo de dança em que o homem que passa pelo fanado1 improvisa um canto sobre seu cotidiano com o acompanhamento de tantans. A percussão forte junto com o canto dos homens e do barulho dos sinos eram incríveis.

Para a festa, vieram pessoas de diferentes tabancas e a dança foi até tarde da noite. No dia seguinte, ressaca: noite clara, a lua cheia, sem vozes, dormimos ouvindo apenas o tambor da festa das defuntas2 e os animais.

1 O fanado é um rito de passagem da etnia bijagó e também de outras etnias de Guiné Bissau, trata-se de um momento de preparação para a vida adulta e para o casamento. Há o fanado masculino e feminino, na etnia bijagó só os homens fazem a circuncisão, mas diversos grupos em Guiné Bissau ainda praticam a mutilação feminina.

2 As defuntas são mulheres no momento em que encarnam ancestrais, sua festa também faz parte do fanado feminino.

24 de julho de 2009

Eleições em Guiné Bissau

Cheguei em Bissau no último vôo antes das fronteiras serem fechadas em função das eleições presidenciais antecipadas. “Eleições em Guiné Bissau acontecem sob clima de tensão” era frase permanente no roda pé da televisão do hotel, mas a cidade estava incrivelmente tranqüila: Os carros particulares estavam proibidos de circular, como não há transporte público, nas ruas apenas diplomatas, embaixadores, jornalistas e observadores internacionais, pois tinham permissão especial para transitar. Além disso, cidade sem energia elétrica na lei seca, fica bem escura.

40% da população não votou. Tem gente que falou que foi por causa da chuva, outros falaram que foi de medo. Aqui vou dar a minha versão: foi de desânimo. Qualquer pessoa que tenha em torno de 45 anos pode contar sua versão de toda a história: a guerra de independência contra os portugueses, os 24 anos de ditadura e o entra e sai de presidente de 1999 a 2009. O cenário atual de Bissau é o mesmo do final da guerra civil em 1998: palácio presidencial bombardeado, assim como um grande número de casas. De lá para cá, nenhum presidente chegou ao final do seu mandato, todos foram retirados por golpe e o último, Nino Vieira, foi assassinado.

A mudança no cenário fica por conta de um novo palácio presidencial que está sendo construído – presente dos chineses – e a presença maciça de pessoas da ONU, observadores internacionais e jornalistas que criaram um mercado paralelo na cidade com restaurantes, bares e boates que são freqüentados apenas por esse público. O preconceito com relação aos brancos que começou no período colonial, é enfatizado com a vinda dessas pessoas que evidenciam a pobreza e a desigualdade social na capital. “Branco pelelê!!”, as crianças brincam. Quando é possível romper a barreira da cor da pele, Bissau é uma delícia, tem algo de familiar, talvez a língua e mais alguma coisa que não sei o que é... De qualquer forma é muito bom ouvir histórias em português e perceber o sentido do tom de voz e do silêncio.

Aqui a história de Haristino dos Santos Bionga, guineense que nasceu em 18 de maio de 1958, passou a infância com seu tio que trabalhava em Bafatá como policial para os portugueses no período colonial. Se revoltou contra os colonizadores e foi para Bissau colaborar com os guerrilheiros que lutavam pela independência.

29 de junho de 2009

Pays Dogon

Peguei uma carona com uma excursão escolar até o Pays Dogon, o caminho foi uma farra de 14 horas com 30 adolescentes. Ninguém era indiferente a mim: metade das meninas disputava a minha presença no quarto e a outra metade queria me ver bem longe. Me alojei em um deles e uma delas me pediu: posso fazer uma coisa que estou com muita vontade? Eu deixei e ela foi direto no meu cabelo, depois dela, várias outras meninas do quarto, já dormindo sentia de vez em quando que mais alguma tinha tomado coragem.

No dia seguinte chegamos em Sanga, a excursão foi embora e eu resolvi ficar. Os Dogon vieram para essa região fugindo da escravidão e, para se proteger, se alojaram nas falésias abaixo de outro grupo, os telman, que construía suas casas em locais de dificílimo acesso. Subi e desci as falésias por 3 dias com o guia, Amadou Dolo. Acordávamos 5h da manhã, caminhávamos até às 11h, ficávamos aguardando o sol baixar até às 15h, depois seguíamos viagem até às 18h. Aí era banho de caneca, prato de arroz com molho de cebola e colchão no telhado das casas vendo as estrelas. Maravilha! Não por acaso, os Dogon ficaram conhecidos pelo seu conhecimento em cosmologia. Eles sabem há anos, por exemplo, que a estrela chamada Sirius é constituída por 3 corpos, e apenas em 1995, os telescópios perceberam esse terceiro corpo. Foi sem dúvida nenhuma o lugar mais interessante e bonito que conheci na viagem. Claro que a bateria da máquina fotográfica acabou no primeiro dia de caminhada e não havia energia para recarregar, de vez em quando eu pedia para o Dolo reduzir a marcha para eu poder tirar uma foto com minha memória. A maior parte das imagens ficaram só na minha cabeça.

Vaidade Maliense

As mulheres malienses são muito vaidosas, me impressiona a maneira como mantêm a pose num calor de 40 graus. Usam vestidos ou combinações de saia e blusa feitos com tecido colorido, a roupa de festa ganha brilhantes. No cabelo, várias possibilidades de penteados, trançados, perucas e apliques, o tecido que prende o cabelo está sempre de acordo com o tecido da roupa. A maioria usa vários brincos na orelha, as unhas quase sempre estão pintadas, o mais comum é usar um pigmento cor de terra com pequenos traços fazendo um desenho. Os pés também são desenhados com uma tinta mais escura.

Ainda não entendi quem, quando e como as mulheres podem mostrar o corpo. Como a maioria é muçulmana, a saia é sempre longa, a parte de cima é meia-manga e algumas usam o véu. Mas para se refrescar, levantam a blusa e mostram o seio sem o menor receio, várias mulheres andam com os ombros à mostra.

Os homens usam calça e camisa largas, com tecido igualmente colorido, e nos pés é comum usarem uma melissa. inclusive aquelas mais femininas, são usadas pelos homens aqui.

Por outro lado, a minha vaidade aqui se contenta em manter-me limpa e com a roupa mais fresca possível. Quanto menos coisa colando no corpo melhor, já até me acostumei com a pontinha do cabelo molhada de suor raspando no pescoço...

Respeito aos mais velhos

Sempre ouvi falar sobre o respeito aos mais velhos na cultura africana, mas só estando aqui para compreender o que esse respeito significa. No dia em que cheguei fiquei um pouco incomodada com as crianças carregando minha mala, retirando meu prato da mesa, deixando de sentar para me oferecer a cadeira. Olhando ao redor, percebi: o respeito aos meus velhos – que toma forma de pequenas gentilezas e palavras de agradecimento – deve ser oferecido a qualquer pessoa que tenha mais idade do que você. Entrei no esquema, ajudo quem é mais velho e me deixo ajudar. No dia-a-dia da casa, com a família numerosa e várias gerações convivendo faz todo o sentido, os trabalhos domésticos acabam sendo distribuídos por todos. Em outras ocasiões, como no dia em que facilitei o círculo, sendo a mais nova do grupo carreguei sozinha dois computadores e duas caixas de som. É difícil adivinhar o “código” de respeito, aprendi errando: durante a refeição, o dedo indicador da mão esquerda fica apoiado na panela em respeito aos mais velhos, após a refeição devemos agradecer a todas as pessoas mais velhas e quem é mais novo não pode ver quem é mais velho se despir...

18 de junho de 2009

Chegando no Mali

Estou no Mali só há 10 dias e não sei como começar a contar minha chegada. Certamente, se estivesse escrito todos os dias, os textos seriam corretamente contraditórios. Estou hospedada na casa da Maria Diarra, diretora do Institute pour l'Education Populaire, com toda a sua família – que criou seus vínculos mais em função da educação do que do sangue. É no pátio em que tudo acontece: desde de cedo a comida é preparada, todos ajudam a cortar cebola, alho e outros temperos; é também onde todos almoçam sentados em círculo em torno de uma grande panela sempre com muito arroz e alguma carne; onde acontecem as brincadeiras das crianças e, no final do dia, o pátio é ocupado pelas aulas de matemática. Ao redor ficam os quartos e banheiros.

Nos primeiros dias, comendo separada dos outros, sendo servida o tempo todo pelas crianças e tentando convence-los de que de fato eu sou brasileira, fiz o que me pareceu familiar: brinquei de elástico e de damas com as crianças, descasquei alho e fiquei papeando com as mulheres que ficam o dia todo na casa.

A casa fica na cidade de Kati, à 15 km de Bamako. Chão de terra batida, flamboyant, mangueira, gente simpática e colorida. O ritmo é de cidade do interior, todos se cumprimentam e, para pedir qualquer informação, há uma introdução de ao menos 15 minutos para qualquer conversa. Faz parte do roteiro dar bom-dia, perguntar se está tudo bem, se a saúde está bem, a família e, por fim, se a cidade de onde você vem (no meu caso o país) está bem. A minha diversão durante essa semana foi pedir informação na rua, apesar da cidade ser minúscula e praticamente impossível de se perder, só para puxar assunto.

Cerveja e música, só em Bamako. Há duas possibilidades para chegar lá: minibus e carro. O minibus é uma perua que pára em todos os lugares para pegar as pessoas (e a bagagem que nunca é pouca) e demora cerca de 1 hora para chegar. O carro é chamado de 7 places pois no lugar do porta-malas colocam outros 3 lugares. Aqui o 7 places tem 10 places: 3 pessoas na frente, 4 no meio e 3 atrás. Quando o carro lota, vai direto à capital. Os carros normalmente não têm acabamento, do lado de dentro a gente vê toda a lataria externa, não tem estofado, nem pino para abrir a porta. Mas têm um cobertor colorido no direção e o vidro da frente, uma caneca pendurada no espelho retrovisor junto de uma freqüente bandeira dos EUA.

Fui para Bamako seis vezes nesses dez dias, tentei tirar algumas fotos, mas concluí que a capital do Mali não tem enquadramento: um grande mercado, cheio de motos, carros, minibus lotados e gente por todos os lados. A cidade está em construção, as obras começaram há 15 anos e não vão terminar tão cedo, já estão ocupadas por famílias, comerciantes e indústrias e não há interesse algum em terminar as obras que são tarifadas após a sua finalização.

Enfim, vou chegando de mansinho, curtindo as primeiras experiências.

17 de junho de 2009

Círculo de Histórias no Mali

Freestyle. Essa foi a expressão que 2 francesas usaram quando contei minha experiência no consulado do Mali na França. Entrei na base do empurra-empurra - como todo mundo - para dentro do escritório, desisti de uma fila que 2 malienses discutiam se eu deveria ou não pegar, saquei minha senha e solicitei meu visto. Quando ia para o Mali, um dos passageiros que embarcaria comigo - ao saber sobre o cancelamento do vôo - cansou da fila, inaugurou uma lista de espera e entregou para a funcionária da companhia aérea. De novo empurra-empurra para colocar o nome na lista. De novo, freestyle.

Aqui no Mali, ainda não tinha vivido essa primeira impressão até fazer o círculo de histórias. Histórias envolventes e contadores caprichosos, não conseguia conter os comentários sobre os fatos e cada história era complementada pelas histórias dos ouvintes. Também não emplaquei o limite de tamanho do texto (uma das histórias tem 5 páginas!). Terminamos a oficina numa segunda-feira e na quarta já fazíamos outra com 21 jovens. Insisti em vão para que lessem o texto sobre a metodologia do círculo e foi sem anotação, sem perguntas e sem sistematização que fizemos mais 3 círculos excelentes!

Grande parte das histórias fala sobre a educação no Mali: principalmente no que se refere à língua e ao acesso à escola. O ensino na língua materna é recente: até pouco tempo atrás as aulas eram apenas em francês e as linguas maternas são o Bambara, Dogon, Sonkai, Fulfuldé e o Tamashek. Recentemente, o governo decretou a obrigatoriedade da incorporação das línguas maternas nas escolas, mas por enquanto isso é realidade apenas na área central do país, onde falam bambara. Num país em que somente 20% da população é alfabetizada, escrever em francês e falar na língua materna, acaba criando uma diferença enorme entre quem frequenta ou não a escola. Nas ruas é perceptível a dificuldade das meninas em falar o francês. As família preferem enviar apenas os meninos para a escola e as meninas ficam em casa ajudando nas tarefas domésticas.

Abaixo as histórias do círculo que fiz com a equipe do Institute pour l'education Populaire.

Aboubacar Sogodogo

Aissata Dolo

Bawa

Cheik Oumar Coulibaly

Fanta Sy - História em bambara

Fatoumata Sogoré


Ibrahima Guindo

Lazare Coulibaly

Nouhoum Doumbia

Oumarou Ongoiba

Souleymane Balahira

Thera

10 de junho de 2009

Círculo de Histórias na França

Estava há 10 dias na França e não tinha certeza nenhuma de que as pessoas iam entender qual era a proposta do círculo de histórias, mas talvez sentar em roda seja auto-explicativo. As pessoas entenderam e contaram histórias maravilhosas. Apesar de um pouco reticentes inicialmente em ter de contar histórias pessoais, aos poucos cada palavra foi preenchendo o círculo. O Entreprise Sans Frontières mobilizou o grupo, estavam presentes pessoas que trabalham na organização e outros parceiros que se interessaram pela proposta. Realizamos o círculo em um espaço de trabalho compartilhado por várias organizações sociais em Paris chamado La Ruche. Escutem as histórias!

La force d'un OUI - Aymeric

La Grande Maison - Mathieu


Nous n' avons jamais tord, de nous émerveiller - Jean Emmanuel


O Caderno - Gabriela

Aux frontières de la compassion - Emmanuelle Larroque


Les Grandes Vacances - Axelle

La Boulangerie - Athina Zaag

Belleville




Não podia ter lugar melhor para começar a viagem: Belleville é uma bairro de imigrantes, em Paris, que apesar de já estarem há 3 gerações na França, mantêm sua cultura original, nas roupas, na comida e na religião.

No bairro convivem as várias culturas: muitos restaurantes chineses, vietnamitas e tailandeses; às terças e sextas acontece uma feira onde são vendidas roupas africanas, entre restos de material de informática e um monte de outras coisas. No Lonely Planet, “Belleville is where kosher and halal butchers share the streets with cavernous chinese restaurants”.

No primeiro dia na cidade não saí do bairro, comprei uma baguete vietnamita e fui para o Buttes Chaumont, um parque que tem lá perto. Minha vontade era de tirar uma foto de cada pessoa que passava por mim e perguntar qual sua origem. Não dava para imaginar que eu estava na França.