29 de junho de 2009

Pays Dogon

Peguei uma carona com uma excursão escolar até o Pays Dogon, o caminho foi uma farra de 14 horas com 30 adolescentes. Ninguém era indiferente a mim: metade das meninas disputava a minha presença no quarto e a outra metade queria me ver bem longe. Me alojei em um deles e uma delas me pediu: posso fazer uma coisa que estou com muita vontade? Eu deixei e ela foi direto no meu cabelo, depois dela, várias outras meninas do quarto, já dormindo sentia de vez em quando que mais alguma tinha tomado coragem.

No dia seguinte chegamos em Sanga, a excursão foi embora e eu resolvi ficar. Os Dogon vieram para essa região fugindo da escravidão e, para se proteger, se alojaram nas falésias abaixo de outro grupo, os telman, que construía suas casas em locais de dificílimo acesso. Subi e desci as falésias por 3 dias com o guia, Amadou Dolo. Acordávamos 5h da manhã, caminhávamos até às 11h, ficávamos aguardando o sol baixar até às 15h, depois seguíamos viagem até às 18h. Aí era banho de caneca, prato de arroz com molho de cebola e colchão no telhado das casas vendo as estrelas. Maravilha! Não por acaso, os Dogon ficaram conhecidos pelo seu conhecimento em cosmologia. Eles sabem há anos, por exemplo, que a estrela chamada Sirius é constituída por 3 corpos, e apenas em 1995, os telescópios perceberam esse terceiro corpo. Foi sem dúvida nenhuma o lugar mais interessante e bonito que conheci na viagem. Claro que a bateria da máquina fotográfica acabou no primeiro dia de caminhada e não havia energia para recarregar, de vez em quando eu pedia para o Dolo reduzir a marcha para eu poder tirar uma foto com minha memória. A maior parte das imagens ficaram só na minha cabeça.

Vaidade Maliense

As mulheres malienses são muito vaidosas, me impressiona a maneira como mantêm a pose num calor de 40 graus. Usam vestidos ou combinações de saia e blusa feitos com tecido colorido, a roupa de festa ganha brilhantes. No cabelo, várias possibilidades de penteados, trançados, perucas e apliques, o tecido que prende o cabelo está sempre de acordo com o tecido da roupa. A maioria usa vários brincos na orelha, as unhas quase sempre estão pintadas, o mais comum é usar um pigmento cor de terra com pequenos traços fazendo um desenho. Os pés também são desenhados com uma tinta mais escura.

Ainda não entendi quem, quando e como as mulheres podem mostrar o corpo. Como a maioria é muçulmana, a saia é sempre longa, a parte de cima é meia-manga e algumas usam o véu. Mas para se refrescar, levantam a blusa e mostram o seio sem o menor receio, várias mulheres andam com os ombros à mostra.

Os homens usam calça e camisa largas, com tecido igualmente colorido, e nos pés é comum usarem uma melissa. inclusive aquelas mais femininas, são usadas pelos homens aqui.

Por outro lado, a minha vaidade aqui se contenta em manter-me limpa e com a roupa mais fresca possível. Quanto menos coisa colando no corpo melhor, já até me acostumei com a pontinha do cabelo molhada de suor raspando no pescoço...

Respeito aos mais velhos

Sempre ouvi falar sobre o respeito aos mais velhos na cultura africana, mas só estando aqui para compreender o que esse respeito significa. No dia em que cheguei fiquei um pouco incomodada com as crianças carregando minha mala, retirando meu prato da mesa, deixando de sentar para me oferecer a cadeira. Olhando ao redor, percebi: o respeito aos meus velhos – que toma forma de pequenas gentilezas e palavras de agradecimento – deve ser oferecido a qualquer pessoa que tenha mais idade do que você. Entrei no esquema, ajudo quem é mais velho e me deixo ajudar. No dia-a-dia da casa, com a família numerosa e várias gerações convivendo faz todo o sentido, os trabalhos domésticos acabam sendo distribuídos por todos. Em outras ocasiões, como no dia em que facilitei o círculo, sendo a mais nova do grupo carreguei sozinha dois computadores e duas caixas de som. É difícil adivinhar o “código” de respeito, aprendi errando: durante a refeição, o dedo indicador da mão esquerda fica apoiado na panela em respeito aos mais velhos, após a refeição devemos agradecer a todas as pessoas mais velhas e quem é mais novo não pode ver quem é mais velho se despir...

18 de junho de 2009

Chegando no Mali

Estou no Mali só há 10 dias e não sei como começar a contar minha chegada. Certamente, se estivesse escrito todos os dias, os textos seriam corretamente contraditórios. Estou hospedada na casa da Maria Diarra, diretora do Institute pour l'Education Populaire, com toda a sua família – que criou seus vínculos mais em função da educação do que do sangue. É no pátio em que tudo acontece: desde de cedo a comida é preparada, todos ajudam a cortar cebola, alho e outros temperos; é também onde todos almoçam sentados em círculo em torno de uma grande panela sempre com muito arroz e alguma carne; onde acontecem as brincadeiras das crianças e, no final do dia, o pátio é ocupado pelas aulas de matemática. Ao redor ficam os quartos e banheiros.

Nos primeiros dias, comendo separada dos outros, sendo servida o tempo todo pelas crianças e tentando convence-los de que de fato eu sou brasileira, fiz o que me pareceu familiar: brinquei de elástico e de damas com as crianças, descasquei alho e fiquei papeando com as mulheres que ficam o dia todo na casa.

A casa fica na cidade de Kati, à 15 km de Bamako. Chão de terra batida, flamboyant, mangueira, gente simpática e colorida. O ritmo é de cidade do interior, todos se cumprimentam e, para pedir qualquer informação, há uma introdução de ao menos 15 minutos para qualquer conversa. Faz parte do roteiro dar bom-dia, perguntar se está tudo bem, se a saúde está bem, a família e, por fim, se a cidade de onde você vem (no meu caso o país) está bem. A minha diversão durante essa semana foi pedir informação na rua, apesar da cidade ser minúscula e praticamente impossível de se perder, só para puxar assunto.

Cerveja e música, só em Bamako. Há duas possibilidades para chegar lá: minibus e carro. O minibus é uma perua que pára em todos os lugares para pegar as pessoas (e a bagagem que nunca é pouca) e demora cerca de 1 hora para chegar. O carro é chamado de 7 places pois no lugar do porta-malas colocam outros 3 lugares. Aqui o 7 places tem 10 places: 3 pessoas na frente, 4 no meio e 3 atrás. Quando o carro lota, vai direto à capital. Os carros normalmente não têm acabamento, do lado de dentro a gente vê toda a lataria externa, não tem estofado, nem pino para abrir a porta. Mas têm um cobertor colorido no direção e o vidro da frente, uma caneca pendurada no espelho retrovisor junto de uma freqüente bandeira dos EUA.

Fui para Bamako seis vezes nesses dez dias, tentei tirar algumas fotos, mas concluí que a capital do Mali não tem enquadramento: um grande mercado, cheio de motos, carros, minibus lotados e gente por todos os lados. A cidade está em construção, as obras começaram há 15 anos e não vão terminar tão cedo, já estão ocupadas por famílias, comerciantes e indústrias e não há interesse algum em terminar as obras que são tarifadas após a sua finalização.

Enfim, vou chegando de mansinho, curtindo as primeiras experiências.

17 de junho de 2009

Círculo de Histórias no Mali

Freestyle. Essa foi a expressão que 2 francesas usaram quando contei minha experiência no consulado do Mali na França. Entrei na base do empurra-empurra - como todo mundo - para dentro do escritório, desisti de uma fila que 2 malienses discutiam se eu deveria ou não pegar, saquei minha senha e solicitei meu visto. Quando ia para o Mali, um dos passageiros que embarcaria comigo - ao saber sobre o cancelamento do vôo - cansou da fila, inaugurou uma lista de espera e entregou para a funcionária da companhia aérea. De novo empurra-empurra para colocar o nome na lista. De novo, freestyle.

Aqui no Mali, ainda não tinha vivido essa primeira impressão até fazer o círculo de histórias. Histórias envolventes e contadores caprichosos, não conseguia conter os comentários sobre os fatos e cada história era complementada pelas histórias dos ouvintes. Também não emplaquei o limite de tamanho do texto (uma das histórias tem 5 páginas!). Terminamos a oficina numa segunda-feira e na quarta já fazíamos outra com 21 jovens. Insisti em vão para que lessem o texto sobre a metodologia do círculo e foi sem anotação, sem perguntas e sem sistematização que fizemos mais 3 círculos excelentes!

Grande parte das histórias fala sobre a educação no Mali: principalmente no que se refere à língua e ao acesso à escola. O ensino na língua materna é recente: até pouco tempo atrás as aulas eram apenas em francês e as linguas maternas são o Bambara, Dogon, Sonkai, Fulfuldé e o Tamashek. Recentemente, o governo decretou a obrigatoriedade da incorporação das línguas maternas nas escolas, mas por enquanto isso é realidade apenas na área central do país, onde falam bambara. Num país em que somente 20% da população é alfabetizada, escrever em francês e falar na língua materna, acaba criando uma diferença enorme entre quem frequenta ou não a escola. Nas ruas é perceptível a dificuldade das meninas em falar o francês. As família preferem enviar apenas os meninos para a escola e as meninas ficam em casa ajudando nas tarefas domésticas.

Abaixo as histórias do círculo que fiz com a equipe do Institute pour l'education Populaire.

Aboubacar Sogodogo

Aissata Dolo

Bawa

Cheik Oumar Coulibaly

Fanta Sy - História em bambara

Fatoumata Sogoré


Ibrahima Guindo

Lazare Coulibaly

Nouhoum Doumbia

Oumarou Ongoiba

Souleymane Balahira

Thera

10 de junho de 2009

Círculo de Histórias na França

Estava há 10 dias na França e não tinha certeza nenhuma de que as pessoas iam entender qual era a proposta do círculo de histórias, mas talvez sentar em roda seja auto-explicativo. As pessoas entenderam e contaram histórias maravilhosas. Apesar de um pouco reticentes inicialmente em ter de contar histórias pessoais, aos poucos cada palavra foi preenchendo o círculo. O Entreprise Sans Frontières mobilizou o grupo, estavam presentes pessoas que trabalham na organização e outros parceiros que se interessaram pela proposta. Realizamos o círculo em um espaço de trabalho compartilhado por várias organizações sociais em Paris chamado La Ruche. Escutem as histórias!

La force d'un OUI - Aymeric

La Grande Maison - Mathieu


Nous n' avons jamais tord, de nous émerveiller - Jean Emmanuel


O Caderno - Gabriela

Aux frontières de la compassion - Emmanuelle Larroque


Les Grandes Vacances - Axelle

La Boulangerie - Athina Zaag

Belleville




Não podia ter lugar melhor para começar a viagem: Belleville é uma bairro de imigrantes, em Paris, que apesar de já estarem há 3 gerações na França, mantêm sua cultura original, nas roupas, na comida e na religião.

No bairro convivem as várias culturas: muitos restaurantes chineses, vietnamitas e tailandeses; às terças e sextas acontece uma feira onde são vendidas roupas africanas, entre restos de material de informática e um monte de outras coisas. No Lonely Planet, “Belleville is where kosher and halal butchers share the streets with cavernous chinese restaurants”.

No primeiro dia na cidade não saí do bairro, comprei uma baguete vietnamita e fui para o Buttes Chaumont, um parque que tem lá perto. Minha vontade era de tirar uma foto de cada pessoa que passava por mim e perguntar qual sua origem. Não dava para imaginar que eu estava na França.