7 de agosto de 2009

Ilha de Canhambaque

O embarque e o desembarque ilustram a diferença entre a receptividade em Bissau e na ilha. No embarque, a piroga parte do porto de Bissau ao amanhecer, apesar da luz pedir fotos, foi só mostrar o aparelho que pessoal no porto ficou irritado e começou a gritar. Quatro horas na piroga e mais duas caminhando, desembarcamos na tabanca de An-humba, na ilha de Canhambaque. Lá havia dezenas de crianças para nos receber e elas pediam muitas, muitas fotos.

Ficamos acampados na área externa da casa de um padre italiano e usávamos a cozinha e o banheiro da casa. Os dias em An-humba foram intensos, enquanto nos acostumávamos à rotina da vida na ilha, dávamos conta das oficinas com as crianças na escola. A utilização da água exigia uma logística: tomar banho, com a mesma água dar o primeiro enxágüe na roupa suja, após o banho levar alguns baldes para cozinhar e lavar louça e, por fim, usar toda essa água suja para jogar na privada do padre.

Cada passo era fielmente assistido por um público assíduo - não perdiam um capítulo e tiravam fotos nossas tomando banho de baldinho (deviam achar ridículo!!).

À noite, as pessoas da tabanca sentavam do lado de fora das casas, ficávamos conversando e tomando vinho de caju. Foi numa dessas noites que apareceu uma iguaria inusitada para jantar: o joaquim doido - um rato que rouba tudo que encontra pela frente, mas acaba devolvendo por um pouco de aguardente. Não tive estômago para comer, dava para ver os dentinhos e as garrinhas do bichinho...

Numa dessas noites, papeando com os homens mais velhos da tabanca, fomos presenteados com uma festa. Oferecemos 20 kilos de arroz, uma cabra e litros de vinho de caju; eles trouxeram a música e a dança. Depois de passar a tarde na praia comendo ostras diretamente da pedra, voltamos para a tabanca e a festa estava pronta. Os homens apresentaram o cabaró, tipo de dança em que o homem que passa pelo fanado1 improvisa um canto sobre seu cotidiano com o acompanhamento de tantans. A percussão forte junto com o canto dos homens e do barulho dos sinos eram incríveis.

Para a festa, vieram pessoas de diferentes tabancas e a dança foi até tarde da noite. No dia seguinte, ressaca: noite clara, a lua cheia, sem vozes, dormimos ouvindo apenas o tambor da festa das defuntas2 e os animais.

1 O fanado é um rito de passagem da etnia bijagó e também de outras etnias de Guiné Bissau, trata-se de um momento de preparação para a vida adulta e para o casamento. Há o fanado masculino e feminino, na etnia bijagó só os homens fazem a circuncisão, mas diversos grupos em Guiné Bissau ainda praticam a mutilação feminina.

2 As defuntas são mulheres no momento em que encarnam ancestrais, sua festa também faz parte do fanado feminino.

7 comentários:

Unknown disse...

Adoro quando tem histórias novas...beijos Carol!

Anônimo disse...

Oi Carol!

Que saudades de vc!!

Meu, que experiência minha cara. Você me fez lembrar os relatos dos viajantes do século XIX/XX! (mais antropólogos do que desbravadores do século XVI e sem as críticas civilizatórias pejorativas).

Grande beijo!

Danilo

PS: Não falei que você ia ficar mais de 6 meses?!! Hehe. Outro beijo.

Danilo disse...

Oi Carol!

Que saudades de vc!!

Meu, que experiência minha cara. Você me fez lembrar os relatos dos viajantes do século XIX/XX! (mais antropólogos do que desbravadores do século XVI e sem as críticas civilizatórias pejorativas).

Grande beijo!

Danilo

PS: Não falei que você ia ficar mais de 6 meses?!! Hehe. Outro beijo.

Antonio Lino disse...

mas você, recusando uma dobradinha!? não consigo nem imaginar o naipe da gororoba, haha!
eba! agora vou pegar carona nas suas itinerâncias!
beijão,
antonio

analeo disse...

adorei carol!

quando você fala "chegamos", de quem você fala? alguém está te acompanhando na viagem?
beijão!

Tatiana disse...

danças, vinho de caju, roda de conversa... que mais você pediu pros deuses, hein querida? fez bem deixar o ratinho bebum de lado. Um beijo no coração, encantada com as histórias. Tati

Carol Misorelli disse...

Oi Ana! Na viagem para Canhambaque fui voluntária do projeto Olhares Cruzados pela identidade e estava com mais 4 brasileiros comigo.